Relação entre desmatamento, fauna silvestre e pandemias é tema de webinar do IEF

Notícia

Qui, 24 set 2020


Foto: Reprodução Youtube
webinar-IEF-dentro
O evento teve como objetivo debater a relação entre preservação ambiental e prevenção de doenças infectocontagiosas

O Instituto Estadual de Florestas (IEF) realizou, na última terça-feira (22/09), o webinar “Fauna silvestre em diferentes ângulos – Impactos da Covid-19, desmatamento, tráfico e refaunação”. O evento, promovido em comemoração ao Dia Nacional de Defesa da Fauna, integra a programação da Semana Florestal 2020 e teve como objetivo debater a relação entre preservação ambiental e prevenção de doenças infectocontagiosas por meio de palestras ministradas por especialistas em imunologia e gestão da fauna silvestre. O webinar foi mediado pela veterinária do Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) de Belo Horizonte, Erika Procópio, e teve a diretora de Proteção à Fauna do IEF, Liliana Mateus, responsável pelo encerramento do evento.


Dados do Global Virome Project (GVP), aliança internacional especializada em pesquisa de doenças infectocontagiosas, apontam que 75% das doenças infecciosas emergentes são provenientes de animais silvestres ou domésticos, incluindo pandemias de origem zoonótica, como a Covid-19. Segundo o grupo, este percentual vem aumentando significativamente nas últimas décadas devido à ação humana, com intervenções que levam ao desequilíbrio da fauna e flora do planeta.


Os números foram apresentados durante palestra ministrada pela professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidades (ONU), Mariana Vale. De acordo com a professora, o desmatamento e o tráfico de animais silvestres estão diretamente ligados à proliferação de doenças de origem zoonótica e poderiam ser contidos por meio de ações de controle e prevenção em escala global.


“O desmatamento e tráfico de animais coloca as pessoas e animais domésticos em contato direto com animais silvestres que carregam patógenos e isso acaba se tornando um gatilho para disseminação de inúmeras doenças”, explica Mariana.


A pesquisadora questionou ainda o que, segundo ela, seria uma “falsa relação entre desmatamento e crescimento econômico”. Dados do Plano Anual para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM) mostram que o Brasil reduziu drasticamente as taxas de desmatamento na Amazônia entre 2005 e 2012. No mesmo período, o Produto Interno Bruto (PIB) dos estados amazônicos cresceu 140%. “Os números demonstram que não há nenhuma incompatibilidade entre desenvolvimento econômico e controle do desmatamento”, destaca a professora.


Na sequência do webinar, os professores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Rafael Monteiro e Adolfo Silva Neto, apresentaram os aspectos imunológicos e epidemiológicos do Covid-19 em espécies de animais silvestres. De acordo com os especialistas não há um consenso com relação a não infecção e consequente retransmissão zoonótica pelo Coronavírus. Os professores apresentaram registros da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) comprovando a infecção de animais silvestres pela doença, como no Zoológico de Nova York, onde sete felinos foram diagnosticados positivamente para Covid-19.


Ainda segundo os palestrantes, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos registrou também infecções em animais em criadouros particulares de Mink, espécie de mamífero do gênero Mustela, no estado de Utah, inclusive com a infecção de dois empregados responsáveis pelo tratamento dos animais. Não se pode determinar, no entanto, a infecção antropozoonótica, ou seja, do homem para o animal, e posterior disseminação entre o rebanho, o que tornaria o registro ainda inconclusivo.


“A comunidade científica internacional vem monitorando diversos registros de infecção por SARS-Cov-2 em animais domésticos e silvestres e ainda não se pode determinar como se dá o processo patogênico da doença nestes casos, mas há indícios que este problema, assim como vem ocorrendo com a espécie humana, irá atingir também outras espécies” disse o professor Adolfo Silva Neto.


Encerrando o ciclo de palestras do evento, o professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Fabiano de Melo, apresentou a importância dos projetos de refaunação para a manutenção do equilíbrio ambiental. O professor apresentou um estudo da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) que avaliou cerca de 60 mil espécies vegetais e animais e verificou que quase metade das espécies encontra-se ameaçadas em algum grau de extinção.


“Falar em perda de espécies nativas é falar, principalmente, de perda de diversidade biogenética, o que significa não apenas o encerramento evolutivo de uma espécie, mas também de possíveis pesquisas de variabilidade genética como um todo”, frisou o professor.


Ele apresentou a refaunação, ou reinserção de animais silvestres em habitats naturais recuperados como um importante mecanismo de reversão do atual quadro de redução do quantitativo endêmico nos principais biomas existentes e citou como exemplo positivo o projeto Mutum, mantido pela Celulose Nipo Brasileira (Cenibra) com apoio da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). A iniciativa trabalha há 30 anos com a reintrodução de aves silvestres em uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) localizada no município de Ipaba, na região do Vale do Rio Doce.


“Temos no Brasil projetos de médio e longo prazo que vêm apresentando sucesso na reintrodução de fauna e a refaunação tem se mostrado um dos mais eficientes mecanismos de recuperação de espécies praticamente extintas”, destacou Melo.


Ao final do webinar a mediadora Erika Procópio abriu espaço para perguntas dos participantes e também para o diálogo entre os palestrantes, que ampliaram os temas apresentados por meio de discussões conjuntas.


No encerramento do evento, a diretora de Proteção à Fauna do IEF, Liliana Mateus, destaca que o webinar demonstra a qualidade tanto dos estudos acadêmicos quanto das pesquisas científicas relacionadas à fauna e ainda como o tema se relaciona diretamente com as principais questões enfrentadas pela sociedade atual. “São momentos como esse que nos fazem ter orgulho dos profissionais que nós temos e também daqueles que podemos contar em nossos projetos. Tivemos uma discussão de altíssimo nível, que certamente trouxe muitos esclarecimentos ao público participante”, concluiu a diretora.


Edwaldo Cabidelli
Ascom/Sisema